Curadoria: Marco Antonio Vieira A Pilastra Foto: Jean Peixoto.
Curadoria: Marco Antonio Vieira A Pilastra Foto: Jean Peixoto.
Curadoria: Marco Antonio Vieira A Pilastra Foto: Jean Peixoto.
Curadoria: Marco Antonio Vieira A Pilastra Foto: Jean Peixoto.
PELE PEDRA PÓ articula-se, declina-se e desmembra-se em distintos suportes à maneira de uma alegoria e pesadelo neobarrocos. Esta mostra de CAPRA MAIA assume-se como uma “ficção” poética do material, temas e motivos revisitados pela artista. A circulação de sentidos que transitam por entre os veios daquilo que a constitui como um mundo ou sistema autoriza que sua expografia se estruture a partir de uma visada em que a encenação -“colocação em imagens”- expositiva, que ora se propõe em A Pilastra, se permita afetar como mostração[1], ocularização de uma interpretação do trabalho da artista.
PELE PEDRA PÓ flexiona-se na espacialidade da galeria em três ou quatro momentos que buscam investigar aquilo que é a escritura da artista. Na Antecâmara ou sala principal, desenham-se as aparições indiciais ou leimotifs daquilo que condensa a exposição como alegoria do olhar da artista diante da História da Arte.
Aqui se encontram a fatura pictórica de CAPRA MAIA no Bisão pré-histórico que é textura de escuridões de betume, suas trouxas retorcidas como a sugerir convolutas têxteis que aludem a um Arthur Barrio (1945) barroquizado, a face mórbida da ciência médica que se dá a ver no desenho em chassi do corpo da artista e no estojo que é pharmakon – antídoto e veneno- que se encontra a seu lado, no mobiliário que sobrevive à tempestade geológica de pó de mármore, em sua obsessão em expandir e dilatar os limites da pintura, em sua inclinação para o abismo dos tempos em camadas da arqueologia, da paleontologia, da geologia, nestes sapatos que sobem oníricos a parede da galeria, nesta Santa que revisita a fusão entre corpo, pele e vestes que o panejamento da escultura assume no Barroco histórico.
A lógica da ruína enquanto objeto do fetiche pretérito e arqueológico é aqui ironizada de maneira explícita na obra It Suits Me, disposta na parede que antecede o corredor da galeria. Relicta – este “resto” de objeto- que aqui se inscreve como aquilo que de um corpo como obra o representa fragmentariamente. Os cabelos de CAPRA MAIA que tramam e tecem o meticuloso casaco ali contido nada são senão a melancólica memória de uma presença tão apenas insinuada por aquilo que dela resta. Fia-se uma perda.
É o corredor que testemunha a subversão do pictórico na obra que se transmuta em barra de teto e desce apoteótica sob a forma de cornucópia na parede que margeia a entrada da sala O Ateliê. É uma determinada apreensão do abstrato que a um só tempo domina e subverte a via que precede o ingresso nesta sala em que “A História da Arte” se converte em um terreno citacional. Joseph Beuys (1921-1986), uma das referências mais determinantes no trabalho de CAPRA MAIA, materializa-se nestes estojos em que a citação do vocabulário matérico do artista alemão oscila entre a reverência e a ironia.
Em O Ateliê, os tempos da História da Arte convulsionam-se espectralmente e é neste enquadramento que se dá a remissão histórica ao Barroco de Pieter Paul Rubens (1577-1640) e à sua Medusa de 1618. É igualmente aí que se localiza um item essencial da gramática vestimentar do período na Holanda: os rufos, que serpenteiam diante da tela revisitada por CAPRA MAIA como que a replicar as víboras que figuram na pintura. Banco e cavalete cobertos de pó de mármore reafirmam a lógica de uma temporalidade geológica, lenta e longa que se distende como um motivo estruturante de sua ficcionalização artística.
Na sala O Curtume, a artista remexe o solo da História, converte-o em sítio arqueológico, resgata-lhe tons e texturas de uma geologia poética. Ali, encena-se a confirmação de seu interesse pela paleontologia da ossatura que o tecido da pele da arte guarda e oculta: sua qualidade pétrea. Revira-se e contorce-se nas entranhas da terra, ocupa-se daquilo que ela devolve, regurgita e expele à maneira de um sintoma que irrompe alegórico desta massa de tempos que a carne terrosa revolve. Da lama ao fóssil. Chifre: osso da carne. Bestas cornudas, terra de ossos, que as carpideiras pranteiam.
PELE PEDRA PÓ questiona a tirania da pretensa e ascética neutralidade imposta pelo cubo branco em prol de uma visada explicitamente teatral, naquilo que o teatro compartilha com uma visão amplificada do Barroco para além de sua prisão histórica. Neste exercício curatorial, buscam-se a escuta e a leitura atentas de uma obra em sua poiesis naquilo que o espaço da galeria acomoda como possibilidade de dar a ver as potências de significação que esta obra encerra. É assim, como uma fantasia alegórica do olhar, que esta mostra faz copularem a poética da artista e sua transcriação[2] expositiva.
[1] ALLOA, Emmanuel. Pensar a imagem. Autêntica: Belo Horizonte, 2015.
[2]Termo cunhado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, poetas associados ao Concretismo brasileiro para referirem-se ao complexo trabalho que a tradução poética implica.
Marco Antônio Vieira
Curador